15 maio, 2009

"A Vaca das Cordas"


A Vaca das
Cordas

Escrito por Miguel Roque dos Reys Lemos, CONDE D'AURORA

"Sendo, em verdade, um espectáculo burlesco e brutal, era todavia muito apreciado pelos xx, que o mantinham e respeitavam como usança venerada e divertimento público gratuito, de que se não queriam privados.

Pela três para as quatro horas da tarde, prendia-se ao gradeamento de ferro da janela da torre dos sinos da Igreja Matriz uma vaca mansa, destinada ao talho, e o pacífico animal ficava ali, até às seis horas aproximadamente, exposto ao arbítrio dos transeunte e do rapazio inquieto e malfazejo, que, por prazer, procuravam mortifica-lo e embravece-lo com aguilhoadas e bastonadas, no meio de vozearia e assobios, no meio de apupos e ditérios, não raro imorais. Deleite para os espectadores estímulo para as alegrias e risadas uníssonas.

Ordinariamente às seis horas, prazo determinado pelo Senado ou só pelo Presidente, apareciam dois moleiros dos obrigados e ultimamente os remunerados executores das sortes do estilo, que, munidos de cordas, de uns nove a dez metros pelo menos, as enlaçam nas pontas do animal actor e delas se serviam como de guias ou leme da corrida.

A vaca,
desprendida seguidamente do gradeamento de ferro, era guiada em roda da Igreja, que volteava três vezes a trote e pesado galope, sempre aguilhoada e sempre apupada.
E o povo a correr, a correr, uns atrás dela, para a estouvarem e, simultaneamente, não perderem um momento de gozo do espectáculo; - outros na frente, procurando furta-se ao atropelamento; as portas das casas a fecharem-se umas, a abrirem-se outras, para se isolarem momentaneamente da investida da vaca e evitarem o impulso das ondas populares, que se formavam e desfaziam pelas ruas e adro. E as famílias, apinhadas pelos peitoris e sacadas, a casarem suas alegrias ruidosas com as gargalhadas estridentes dos espectadores da praça, endoidecidos.

Findas as três voltas, os ministros da corrida arrastavam ou alavam cordas e cabo ao pobre animal, encaminhando-o para a alameda do Passeio de D. Fernando, para o vasto areal e para a ponte, em demanda dos grupos do povo expectante contra quem pudesse promover as investidas, ou pelo menos enredar com as cordas. E faziam-no com mestria atrevida.

Se o animal, embravecido,
arremetia com alguém ou fazia algum atropelamento, ou se as cordas enrodilhavam as pernas de qualquer temerário ou descuidado transeunte, proclamava-se geralmente o espectáculo de agradável e divertido; mas, não se dando nenhum desses factos, todos unanimemente o apodavam de sensabórico, concluindo com as frases sacramentais: a vaca este ano não fez figura, não prestou para nada. Ao toque da Trindade, estando tudo terminado, a vaca seguia o caminho de seu destino; a gente... cada mocho para seu buraco.

A vereação de 1881 suspendeu
e pôs termo a esta velhíssima usança; mas, nesse mesmo ano, houve um particular que, embirrando com usos, costumes, leis e moças novas, obtidas a prévia licença camarária, pôs cena pública, à sua custa, a mesmíssima corrida. E foi-se de uma vez o espectáculo".

"Corriam-se vacas ou toiros? Vacas e toiros, claro.
Os homens da vila não quiseram deixar perder esse costume, essa tradição de séculos. O nosso concelho (como todos os outros) era obrigado por alvarás régios do século XIII a celebrar o dia de Corpus Christi. As nossas autoridades corriam então toiros para abrilhantar a festa.
Nos meados do século XX,
esse costume desapareceu por um período de dezasseis anos. Os homens XX ficaram desapontados. Mas apareceram dois grandes aficionados da «vaca das cordas», da tourada à corda: Alcindo do Vale Dantas e José da Silva Lima.
Esses dois homens fizeram reviver o orgulho municipal,
retomaram a tradição da vaca das cordas, isto é, da tourada à corda. Foram assim ao encontro da gente popular que sempre manifestou o mais vivo interesse pelas touradas.

No primeiro quartel do século XX, a vaca cedeu o lugar ao toiro negro e gravito, inaugurando-se a tourada à corda com foguetório.
A vila ficava pejada de gente. Vinha de todo o concelho e de outras vilas e cidades para a festa. O touro era incitado pela açougada tempestuosa que o cercava. Em
círculo: o touro no meio, símbolo de possança e afoiteza, mostrando-se ansioso e pronto para investir outra vez de frente, a direito".
Luís Dantas


Para saberem onde ocorre esta tradição tão peculiar não percam as "Cenas dos próximos episódios"!!!

5 comentários:

  1. Sinceramente... Espero que tal absurdo não se volte a repetir. Desisti de ler até ao fim... Tal era a má disposição que se estava a criar. Se isto é tradição, mais vale esquecer o passado para nos podermos tornar civilizados!

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  2. olá, aterrei aqui pelos caminhos insondáveis do google...

    conheço uns tantos sitios onde se fazem vacadas de coras, um tradicional é nas festas da Praia (da Vitória) na Ilha Terceira, por cá, se não estou em erro, na localidade de Porto das Barcas... ou é Porto Dinheiro... bem, como são um ao lado do outro... na zona da Lourinhã fazem também vacada na praia, mas não tenho certeza se é de corda.

    Cumprimentos provocantes

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  3. Sassi, penso que não seja aquilo que estás a pensar, pois o objectivo não é deixar o touro ferido como nas touradas, é apenas agitá-lo para que ele corra pelas ruas fora e apanhe alguém desprevenido, pelo que percebi!

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  4. Caro QJ, esta tradição decorre em Ponte de Lima, terra que fui conhecer numa destas minhas viagens, obrigado pela visita, volte sempre!!

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  5. claro que voltarei :-)

    por acaso na Páscoa estive em Ponte de Lima, a zona velha é muito bonita e o jardim junto à igreja do outro lado da ponte é 5*****.

    mas pronto fiquei a saber que cá pelo continente também se fazem vacadas de corda.

    Cumprimentos provocantes

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